A definição do treinamento funcional ainda é imprecisa na cabeça de muitas pessoas. Mesmo bons profissionais ficam um pouco inseguros ao falar sobre esse tipo de treinamento. Alguns se fundamentam no princípio da especificidade e sugerem que é um treino que mimetiza os gestos esportivos. Justificam essa teoria afirmando que nada é melhor do que praticar o próprio esporte ou atividade física. Outros confundem o treinamento funcional com o popular treinamento em circuito que, encarado como uma novidade foi, na realidade, desenvolvido pelos pesquisadores R.E. Morgan e G.T. Anderson em 1953. Alguns profissionais também confundem o treinamento funcional com o treinamento de instabilidade, utilizado comumente por fisioterapeutas, na reabilitação de lesões.
Grey Cook, fundador do Functional Movement System, define o exercício funcional como uma técnica livre de dor, limitações, assimetrias ou qualquer outro tipo de disfunção, que pode ser comparada a um padrão e preconiza movimentos antes do condicionamento físico. Já Michael Boyle, considerado a grande referência em treinamento funcional, simplifica definições e resume: "funcional é o que funciona". Fica implícito, então, que funcional é qualquer método que leve a alcançar um resultado desejado.
O treinamento tradicional foi popularizado pela cultura do bodybuilding e tem como característica a segmentação do corpo em músculos e articulações, além da utilização de máquinas para melhorar a condição física.
Do ponto de vista do qual a palavra "funcional" foi criada para categorizar uma forma diferente de treinamento, não existe certo e errado. Todas as formas de treino podem ser utilizadas para aumentar a força e o condicionamento físico. Porém é importante definir quais são as suas reais necessidades. De forma global, se o objetivo é desempenhar uma atividade esportiva ou melhorar nas atividades da vida diária, então um treino mais voltado para o movimento pode ser ideal. Mas se o objetivo for aumentar o volume muscular, sem pensar na performance como algo primário, o treinamento tradicional pode ser o mais adequado.
O funcional é menos ortodoxo e mais flexível. Por vezes, incorpora métodos advindos da fisioterapia, do levantamento de peso olímpico, do atletismo e de várias escolas de força tradicionais. Na área da saúde é tido como uma ótima ferramenta para treinar pessoas mais velhas, devido à maior demanda cognitiva e proprioceptiva (capacidade que o próprio corpo tem de reconhecer e avaliar a posição em que se encontra, a fim de manter o perfeito equilíbrio).
Treinos que envolvem tomadas de decisão e resolução de problemas, parecem diminuir o declínio da capacidade de raciocinar e aprender em idosos com Alzheimer e demência, melhoram o humor e aumentam o desempenho nas atividades da vida diária. Uma crítica a esse sistema é que, na busca da diminuição da perda gradativa da cognição, os exercícios de força e aeróbicos podem ser mal planejados. É comprovado e bem estudado que, o treinamento tradicional já oferece muitos benefícios à saúde física e mental, e a má prescrição de exercícios pode afetar a qualidade de vida dos indivíduos.
O sistema sensorial, composto pelo sistema vestibular, proprioceptivo e visual, é fundamental para o movimento. Vamos entender por quê: O sistema vestibular é responsável por entregar informações relativas à gravidade e aos seus movimentos, de acordo com a posição da cabeça. Os proprioceptores provêm informações sobre o movimento dos segmentos do corpo ao sistema nervoso, auxiliando na estabilização articular, equilíbrio e postura. Já o sistema visual provê informações sobre a posição do corpo em relação ao ambiente que o rodeia.
O treinamento denominado de tradicional não trabalha bem o sistema sensorial, já que a maioria dos seus exercícios é realizada em ambientes extremamente controlados e fixos, com ênfase em um plano de movimento, normalmente sagital (que “divide” o corpo em direita e esquerda, como se fossem simétricos), com movimentos de flexão e extensão.
Alguns estudos da Universidade Federal de Sergipe mostram que no período de 12 semanas, mulheres mais velhas se beneficiam tanto de um treino tradicional como funcional. A única diferença está em que o treinamento funcional consegue promover ganhos mais rapidamente do que o tradicional, além de melhorar a agilidade e o equilíbrio de forma significante.
Outro estudo comparou dois protocolos de treino diferentes com crianças praticantes de tênis. Ambos tiveram resultados positivos, mas após 8 semanas, o treinamento funcional foi superior ao tradicional.
Apesar das diferenças apresentadas neste texto, é importante esclarecer que os ganhos de força, potência, volume muscular e a melhora cardiovascular não são exclusivos de uma modalidade e que qualquer programa de treino bem planejado deve melhorar a saúde e a capacidade física. A escolha do sistema de treino dependerá do gosto do praticante e do seu objetivo.
Pontos-chave:
Funcional é apenas um nome dado para caracterizar uma forma de treino.
Tanto o treinamento tradicional quanto o funcional promovem benefícios à saúde, melhoram as capacidades físicas e aumentam o volume muscular.
O treinamento funcional pode ser melhor para treinar o equilíbrio e a coordenação.
Não existem métodos melhores ou piores, mas programas de treinos objetivos e que funcionam e programas de treinos que não funcionam.
Escolha a sua forma de treinar e comece!
Matias.
Referências: Cook G., Burton L., Kiesel K., Rose G., Byrant M. F., Torine J. - Movement Functional Movement Systems - Screening, Assessment, Corrective Strategies - On Target Publications (2011) Boyle M .J.. New Functional Training for Sports Human Kinetics, Inc. (2016)
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